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segunda-feira, 31 de março de 2014

O golpe de 1964 e a instauração do regime militar





Na madrugada do dia 31 de março de 1964, um golpe militar foi deflagrado contra o governo legalmente constituído de João Goulart. A falta de reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi notável. Não se conseguiu articular os militares legalistas. Também fracassou uma greve geral proposta pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao governo. João Goulart, em busca de segurança, viajou no dia 1o de abril do Rio, para Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel Brizola tentava organizar a resistência com apoio de oficiais legalistas, a exemplo do que ocorrera em 1961. Apesar da insistência de Brizola, Jango desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil para ser sepultado, em 1976.



Antes mesmo de Jango deixar o país, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga a presidência da República. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência, conforme previsto na Constituição de 1946, e como já ocorrera em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros. O poder real, no entanto, encontrava-se em mãos militares. No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado "Comando Supremo da Revolução", composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas.Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro político, como por exemplo o CGT, a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares de pessoas foram presas de modo irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. O líder comunista Gregório Bezerra, por exemplo, foi amarrado e arrastado pelas ruas de Recife.

A junta baixou um "Ato Institucional" – uma invenção do governo militar que não estava prevista na Constituição de 1946 nem possuía fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se seguiram. Ao longo do mês de abril de 1964 foram abertos centenas de Inquéritos Policiais-Militares (IPMs). Chefiados em sua maioria por coronéis, esses inquéritos tinham o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. Milhares de pessoas foram atingidas em seus direitos: parlamentares tiveram seus mandatos cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados. Entre os cassados, encontravam-se personagens que ocuparam posições de destaque na vida política nacional, como João Goulart, Jânio Quadros, Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes.



Entretanto, o golpe militar foi saudado por importantes setores da sociedade brasileira. Grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja católica, vários governadores de estados importantes (como Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo) e amplos setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar, como forma de pôr fim à ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica. O golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano, satisfeito de ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho de Cuba, onde a guerrilha liderada por Fidel Castro havia conseguido tomar o poder. Os Estados Unidos acompanharam de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos, principalmente através de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, e do adido militar, Vernon Walters, e haviam decidido, através da secreta "Operação Brother Sam", dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes enfrentassem uma longa resistência por parte de forças leais a Jango.

Os militares envolvidos no golpe de 1964 justificaram sua ação afirmando que o objetivo era restaurar a disciplina e a hierarquia nas Forças Armadas e deter a "ameaça comunista" que, segundo eles, pairava sobre o Brasil. Uma idéia fundamental para os golpistas era que a principal ameaça à ordem capitalista e à segurança do país não viria de fora, através de uma guerra tradicional contra exércitos estrangeiros; ela viria de dentro do próprio país, através de brasileiros que atuariam como "inimigos internos" – para usar uma expressão da época. Esses "inimigos internos" procurariam implantar o comunismo no país pela via revolucionária, através da "subversão" da ordem existente – daí serem chamados pelos militares de "subversivos". Diversos exemplos internacionais, como as guerras revolucionárias ocorridas na Ásia, na África e principalmente em Cuba, serviam para reforçar esses temores. Essa visão de mundo estava na base da chamada "Doutrina de Segurança Nacional" e das teorias de "guerra anti-subversiva" ou "anti-revolucionária" ensinadas nas escolas superiores das Forças Armadas.



Os militares que assumiram o poder em 1964 acreditavam que o regime democrático que vigorara no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial havia se mostrado incapaz de deter a "ameaça comunista". Com o golpe, deu-se início à implantação de um regime político marcado pelo "autoritarismo", isto é, um regime político que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário.

Já no início da "Revolução" ficou evidente uma característica que permaneceria durante todo o regime militar: o empenho em preservar a unidade por parte dos militares no poder, apesar da existência de conflitos internos nem sempre bem resolvidos. O medo de uma "volta ao passado" (isto é, à realidade política pré-golpe) ou de uma ruptura no interior das Forcas Armadas estaria presente durante os 21 anos em que a instituição militar permaneceu no controle do poder político no Brasil. Mesmo desunidos internamente em muitos momentos, os militares demonstrariam um considerável grau de união sempre que vislumbravam alguma ameaça "externa" à "Revolução", vinda da oposição política.

A falta de resistência ao golpe de 1964 não deve ser vista como resultado da derrota diante de uma bem articulada conspiração militar. Foi clara a falta de organização e coordenação entre os militares golpistas. Mais do que uma conspiração única, centralizada e estruturada, a imagem mais fidedigna é a de "ilhas de conspiração", com grupos unidos ideologicamente pela rejeição da política pré-1964, mas com baixo grau de articulação entre si. Não havia um projeto de governo bem definido, além da necessidade de se fazer uma "limpeza" nas instituições e recuperar a economia. O que diferenciava os militares golpistas era a avaliação da profundidade necessária à intervenção militar.


Desde o início havia uma nítida diferenciação entre, de um lado, militares que clamavam por medidas mais radicais contra a "subversão" e apoiavam uma permanência dos militares no poder por um longo período e, de outro lado, aqueles que se filiavam à tradição de intervenções militares "moderadoras" na política – como havia acontecido, por exemplo, em 1930, 1945 e 1954 – seguidas de um rápido retorno do poder aos civis. Os mais radicais aglutinaram-se em torno do general Costa e Silva; os outros, do general Humberto de Alencar Castelo Branco.

Articulações bem-sucedidas na área militar de um grupo de oficiais pró-Castelo e o apoio dos principais líderes políticos civis favoráveis ao golpe foram decisivos para que, no dia 15 de abril de 1964, Castelo Branco assumisse a presidência da República, eleito, dias antes, por um Congresso já bastante expurgado. O novo presidente assumiu o poder prometendo a retomada do crescimento econômico e o retorno do país à "normalidade democrática". Isto, no entanto, só ocorreria 21 anos mais tarde. É por isso que 1964 representa um marco e uma novidade na história política do Brasil: diferentemente do que ocorreu em outras ocasiões, desta vez militares não apenas deram um golpe de Estado, como permaneceram no poder.





Celso Castro

fonte:http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Golpe1964

Para saber mais:

Sugerimos a leitura dos verbetes que se encontram disponíveis no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: Atos Institucionais, Ligas Camponesas, Revolução de 1964, Comício das Reformas, Marcha da família com Deus pela liberdade.

Outros documentos e informações relacionadas ao assunto estão disponíveis on-line. Basta realizar a consulta em nossa base de dados Accessus. Dica: na consulta, escolha o arquivo Paulo Nogueira Batista, clique no tipo de documento desejado (se quiser ver fotos escolha AUDIOVISUAL), selecione no campo assunto palavras ligadas ao tema (por exemplo, Revolução de 1964) ou aos personagens envolvidos e em seguida execute a pesquisa

quinta-feira, 20 de março de 2014

Raízes da fé: 10 fatos interessantes ou estranhos sobre o Alcorão

10 fatos interessantes ou estranhos sobre o Alcorão


Alcorão ou Corão é o livro sagrado do Islã. Essa palavra deriva do verbo árabe que significa declamar ou recitar; Alcorão é portanto uma “recitação” ou algo que deve ser recitado.
Apesar de ter se mostrado muito polêmico no mundo islâmico, Saddam Hussein encomendou uma cópia do Alcorão escrita em seu próprio sangue. Mas há outros fatos muito mais fascinantes (e menos assustadores) centrados em torno deste livro.
Os muçulmanos constituem mais de 1,5 bilhão da população do planeta, por isso é possível dizer que há uma grande quantidade de conhecimento baseada no Alcorão no mundo. Confira:


10. O maior do mundo

Em 2008, Sayeed Najmul Hasan Chishti da Índia tomou para si o recorde mundial da criação do maior Alcorão escrito a mão. Pouco tempo depois, em 2009, o recorde foi desejado por uma adolescente escrevendo 12 horas por dia para produzir um Alcorão com 3.000 metros de comprimento. Se ela terminou, ninguém percebeu, porque o recorde mundial lhe foi tirado em 2011 por um Alcorão na Rússia. Pesando 800 kg, o livro maciço era incrustado em ouro, prata e um punhado de pedras preciosas. Depois de tanto esforço, seus criadores provavelmente ficaram chateados quando o novo maior Alcorão do mundo foi revelado no Afeganistão dois meses mais tarde. Claramente, a busca para ter o maior do mundo é árdua, e antes que mais alguém se esforce tanto, alguém deveria avisá-los sobre o Alcorão de 18 metros de altura que é parte de um edifício no sul de Sumatra. Há um monte de grandes Alcorões, em resumo.


9. Erros causam crises políticas

A crença dos muçulmanos dita que o Alcorão é a palavra exata de Deus (Alá), de forma que nem mesmo um parágrafo pode ser deixado de fora em qualquer cópia do livro. Também é geralmente melhor não alterar palavras. Pior ainda é imprimir 120 mil cópias de seu trabalho ruim e distribuí-las internacionalmente, como aconteceu com cópias do Alcorão distribuídas pelo governo federal do Kuwait em 1999. O Ministro da Justiça e Assuntos Islâmicos foi a pessoa infeliz na linha de fogo quando isso ocorreu. Ele foi acusado de “tentar desfigurar a fé dos muçulmanos”, e o resultado foi que todo o parlamento kuaitiano foi dissolvido. Os membros da oposição do governo afirmaram que os erros de impressão foram criados intencionalmente para fornecer uma desculpa para o parlamento ser dissolvido e uma nova eleição realizada.

8. Memorização


17 milhões de pessoas em todo o mundo assistiram esse ano o Prêmio Nacional Alcorão de Dubai, um concurso em que crianças recitam o livro de cabeça em busca de 250.000 dirham dos Emirados Árabes Unidos (cerca de R$ 153 mil). Bem como o prêmio máximo, há também um prêmio para a mais bela voz. Como muitas competições entre crianças, há um indício de que são mais apreciadas pelos pais. A bela voz deste ano disse: “Meu pai, que tem trabalhado arduamente me treinando, está muito feliz e eu estou orgulhoso de que não o desapontei”. Orgulho parental de lado, memorizar a escritura é uma coisa importante na cultura islã. O termo “Hafiz” é usado para descrever aqueles que aprenderam o Alcorão na íntegra, e Hafiz são bem vistos entre os seus irmãos muçulmanos.

7. Banimento


O banimento de livros (de qualquer tipo) tem desfrutado de uma história longa e bem sucedida de ser uma ideia muito ruim. Todos os livros sagrados, incluindo o Alcorão, foram proibidos na União Soviética entre 1926 e 1957. Nos últimos anos, o famoso político holandês Geert Wilders liderou uma tentativa de ter o Alcorão banido na Holanda. O movimento não chegou perto de dar certo. Imran Firasat, um ex-muçulmano, apresentou uma petição na Espanha para banir o Alcorão, com sucesso similar. Uma das interpretações inglesas mais populares do Alcorão é “O significado do Alcorão Sagrado”. Pouco depois do atentado de 11/9 nos EUA, o Conselho de Relações Americano-islâmicas começou a doar exemplares desta versão do livro para as escolas. Referências dos judeus como macacos e porcos levou o distrito escolar de Los Angeles a proibir sua edição por um tempo em 2002.
A proibição de livros é uma posição extremista que muitas pessoas não estão propensas a tomar. Até mesmo os ateus são tão prováveis quanto qualquer um a incentivar a leitura dos livros sagrados: ambos não crentes e religiosos possuem o mesmo pensamento de que ler as escrituras sagradas vai levar as pessoas a concordar com a sua posição.


6. Bebê milagroso


Em 2009, os muçulmanos na República do Daguestão (divisão federal da Rússia) se reuniram para ver um menino de nove meses de idade no qual versos do Alcorão estavam aparecendo espontaneamente na pele. Milhares visitaram a casa do pequeno Ali Yakubov para testemunhar o milagre. Céticos fizeram questão de salientar o fato de que isso poderia na verdade ser abuso infantil, mas com implicações mais amplas. O pai de Ali é um policial em uma região fortemente impactada pelo extremismo islâmico. Os serviços policiais e de segurança são um alvo popular para grupos terroristas na região, e o prefeito local foi rápido em sugerir que a escrita era um sinal de Deus que a religião não deveria ser levada muito longe. Como sua mãe disse, “Alá é grande e mandou-me o meu filho milagre para manter o nosso povo seguro”. Quatro anos depois, a insurgência islâmica no Daguestão continua.


5. Islã na “política cristã”


Em países majoritariamente cristãos, pode ser difícil ser político se você não for também cristão. Provavelmente serão necessários muitos anos para um presidente dos EUA, por exemplo, oferecer suas orações matinais para qualquer um que não seja Jesus. Ainda assim, outras religiões e crenças estão fazendo incursões na polícia ocidental.
Em novembro de 2006, o democrata Keith Ellison se tornou o primeiro muçulmano a entrar em um congresso americano, um evento que normalmente envolve um cerimonial de juramento sobre a Bíblia. Leitores mais atentos perceberam o inevitável conflito na última frase. Enquanto o evento de juramento é basicamente “decorativo” e não parte da cerimônia oficial, a escolha de Ellison em usar um Alcorão atraiu (obviamente) críticas dos tradicionalistas. Na Austrália, o político Ed Husic enfrentou abuso online depois que jurou em um Alcorão pela primeira vez na história do país. Ele também recebeu grande apoio, e manteve-se pragmático sobre os acontecimentos, dizendo: “A coisa importante é que o grosso da população na Austrália quer que todos trabalhem em conjunto”.
Segundo dados do censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Islã no Brasil conta com 35.167 seguidores – número que pode ser muito maior na prática (a Federação Islâmica Brasileira defende que há cerca de 1,5 milhão de fiéis do Islã no país). Não há dados sobre quantos desses estão na política, mas certamente seus votantes têm um impacto sobre nossos governantes.


4. Regras para lidar com o livro


Os muçulmanos veneram o Alcorão acima de todos os outros livros e, em geral, da maioria das outras coisas. Muitas pessoas sabem que o Alcorão deve ser mantido na prateleira mais alta da casa para representar o seu lugar acima dos outros livros, mas isso não é tudo o que você precisa saber para lidar com um Alcorão corretamente. Você não deve deixá-lo aberto quando terminar de lê-lo, nunca deve molhar os dedos com saliva para virar suas páginas, e não deve deixá-lo em seu colo. Muitas regras para lidar com o Alcorão são derivadas de ideias islâmicas de pureza. Wudu é um processo de limpeza em preparação para a oração e deve ser legitimamente realizado antes de alguém tocar ou carregar o Alcorão (ou tocar ou realizar qualquer coisa que contenha o Alcorão). Além disso, muitos muçulmanos acreditam que mulheres devem abandonar a leitura do Alcorão durante o ciclo menstrual, porque esse não é um período “limpo”. Há dezenas de outros requisitos, e se lembrar todos eles te deixa cansado, tome cuidado: bocejar ao recitar a escritura também é mal visto.


3. Valor

O Alcorão mais caro foi vendido por mais de US$ 2,3 milhões (cerca de R$ 5 milhões) em 2007. Enquanto isso não o torna o livro sagrado mais valioso do mundo (um volume de duas partes da Bíblia de Gutenbergvendeu por US$ 5,5 milhões, ou cerca de R$ 12 milhões em 2008), ainda é uma quantidade substancial de dinheiro. O Alcorão em questão é datado de junho de 1203 (17-Ramadã-599 no calendário islâmico) e é a mais antiga cópia completa e datada conhecida. Muito dinheiro, independente do produto, sempre atrai crime. Três homens foram presos em maio de 2000 por tentar contrabandear uma cópia roubada do livro para fora da Turquia. O Alcorão do século 11, roubado do Palácio de Topkapi, em Istambul, teria valido cerca de US$ 50.000 (R$ 110 mil) no mercado negro do Reino Unido.


2. Queimar no fogo do inferno

O infame pastor Terry Jones se tornou conhecido em todo o mundo em 2010 por seus planos em criar “O Dia Internacional de Queimar um Alcorão”. Ele ainda está tentando ser bem sucedido, mas seus planos de queimar 2.998 Alcorões em 11 de setembro deste ano foram interrompidos quando ele foi preso por transporte ilegal enquanto levava querosene para o local de queima, juntamente com um reboque cheio de Alcorões. É compreensível que as autoridades americanas estivessem nervosas sobre Alcorões sendo queimados, já que em 2012 soldados americanos no Afeganistão jogaram, supostamente por engano, vários Alcorões destinados para armazenamento em um incêndio de resíduos. Isso provocou tumultos que deixaram dezenas de mortos.
Em Bangladesh, 160 pessoas foram presas no ano passado após tumultos que destruíram templos budistas seculares e várias casas. Os tumultos foram causados não por uma queima do Alcorão, mas por um homem budista local ter sido marcado em uma foto de uma queima do Alcorão no Facebook. Depois de ser submetido a pior marcação de Facebook da história, o homem no centro de tudo isso foi escoltado pela polícia e saiu ileso da multidão, estimada de consistir em 25 mil muçulmanos. Casas, lojas e artefatos budistas foram alvejados. Um jornalista local descreveu as aldeias pós-motim como “se tivessem sido atingidas por um grande ciclone”.


1. Caso Rimsha Masih

O Paquistão é um dos vários países muçulmanos com leis contra a danificação de um Alcorão. Sendo uma nação com maioria muçulmana (97%), as minorias religiosas são muitas vezes prejudicadas por essas leis. Um dos exemplos mais tristes é a história de Rimsha Masih, de 14 anos de idade, uma menina com deficiência de uma família cristã. Em agosto de 2012, Rimsha foi acusada de danificar um Alcorão depois de ter sido encontrada na posse de páginas chamuscadas. Sob a pressão de uma multidão ameaçadora, a polícia prendeu a menina, enquanto 600 famílias cristãs de sua aldeia foram forçadas a fugir de suas casas. Um clérigo muçulmano local, Khalid Jadoon, foi mais tarde acusado de plantar provas. Ele tinha clamado que os cristãos fossem queimados vivos, acrescentando implicações terríveis para o seu alegado crime. Ele foi levado a julgamento no Supremo Tribunal em Islamabad, mas o caso foi arquivado na sequência de mudanças de declarações de testemunhas. Jadoon acusou a polícia de coagir as pessoas para obter as declarações originais. Aqueles do outro lado da moeda acusavam extremistas islâmicos de ameaçar as testemunhas para que retraíssem suas histórias. Seja quem for que estivesse correto, esse continua a ser um exemplo de caso trágico mal lidado pelas autoridades. [Listverse]

Autor: Natasha Romanzoti
tem 24 anos, é jornalista, apaixonada por esportes, livros de suspense, séries de todos os tipos e doces de todos os gostos.


















” DEMOCRACIA RACIAL “””


- No Brasil, a história de seus conflitos e problemas envolveu bem mais do que a formação de classes sociais distintas por sua condição material. Nas origens da sociedade colonial, o nosso país ficou marcado pela questão do racismo e, especificamente, pela exclusão dos negros. Mais que uma simples herança de nosso passado essa problemática racial toca o nosso dia-a-dia de diferentes formas. 

- Em nossa cultura poderíamos enumerar o vasto número de piadas e termos que mostram como a distinção racial é algo corrente em nosso cotidiano. Quando alguém auto-define que sua pele é negra, muitos se sentem deslocados. Parece ter sido dito algum tipo de termo extremista. Talvez, chegamos a pensar que alguém só é negro quando tem pele “muito escura”. Com certeza, esse tipo de estranhamento e pensamento não é misteriosamente inexplicável. O desconforto, na verdade, denuncia nossa indefinição mediante a idéia da diversidade racial. 

- É bem verdade que o conceito de raça em si é inconsistente, já que do ponto de vista científico nenhum indivíduo da mesma espécie possui características biológicas (ou psicológicas) singulares. Porém, o saber racional nem sempre controla nossos valores e práticas culturais. A fenotipia do indivíduo acaba formando uma série de distinções que surgem no movimento de experiências históricas que se configuraram ao longo dos anos. Seja no Brasil ou em qualquer sociedade, os valores da nossa cultura não reproduzem integralmente as idéias da nossa ciência. 

- Dessa maneira, é no passado onde podemos levantar as questões sobre como o brasileiro lida com a questão racial. A escravidão africana instituída em solo brasileiro, mesmo sendo justificada por preceitos de ordem religiosa, perpetuou uma idéia corrente onde as tarefas braçais e subalternas são de responsabilidade dos negros. O branco, europeu e civilizado, tinha como papel, no ambiente colonial, liderar e conduzir as ações a serem desenvolvidas. Em outras palavras, uns (brancos) nasceram para o mando, e outros (negros) para a obediência. 

- No entanto, também devemos levar em consideração que o nosso racismo veio acompanhado de seu contraditório: a miscigenação. Colocada por uns como uma estratégia de ocupação, a miscigenação questiona se realmente somos ou não pertencentes a uma cultura racista. Para outros, o mestiço definitivamente comprova que o enlace sexual entre os diferentes atesta que nosso país não é racista. Surge então o mito da chamada democracia racial. 

- Sistematizado na obra “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, o conceito de democracia racial coloca a escravidão para fora da simples ótica da dominação. A condição do escravo, nessa obra, é historicamente articulada com relatos e dados onde os escravos vivem situações diferentes do trabalho compulsório nas casas e lavouras. De fato, muitos escravos viveram situações em que desfrutavam de certo conforto material ou ocupavam posições de confiança e prestígio na hierarquia da sociedade colonial. Os próprios documentos utilizados na obra de Freyre apontam essa tendência. 

- Porém, a miscigenação não exclui os preconceitos. Nossa última constituição coloca a discriminação racial como um crime inafiançável. Entre nossas discussões proferimos, ao mesmo tempo, horror ao racismo e admitimos publicamente que o Brasil é um país racista. Tal contradição indica que nosso racismo é velado e, nem por isso, pulsante. Queremos ter um discurso sobre o negro, mas não vemos a urgência de algum tipo de mobilização a favor da resolução desse problema. 

- Ultimamente, os sistemas de cotas e a criação de um ministério voltado para essa única questão demonstram o tamanho do nosso problema. Ainda aceitamos distinguir o negro do moreno, em uma aquarela de tons onde o último ocupa uma situação melhor que a do primeiro. Desta maneira, criamos a estranha situação onde “todos os outros podem ser racistas, menos eu... é claro!”. Isso nos indica que o alcance da democracia é um assunto tão difícil e complexo como a nossa relação com o negro no Brasil.