Variados e copiosos são os aspectos folclóricos decorrentes
de atos, fatos, fórmulas, ritos e dogmas da nossa religião. Nesse folclore
religioso inclui-se todo um infindável rol de tradições: lendas e milagres de
santos; ex-votos e promessas; orações e benzeduras; corte, puxada e fincada de
mastro; toadas de congo em louvor de santos; romarias e procissões;
dramatizações profano-religiosas; e mais as festas juninas e as do ciclo do
Natal — enfim, cortejo infinito de tradições que, por estarem tão ligadas à
religião, mais entranhadamente resistem à força demolidora da
"civilização".
Para esse folclore, a Quaresma, e dentro desta a Semana
Santa, concorrem com interessante contingente de crendices, orações, trovas,
adivinhas, o bulhento ofício de trevas, a solene procissão de Sexta-Feira Santa
com Beús e matracas, e, no sábado da Aleluia, a rumorosa e festiva malhação dos
Judas.
Aqui, porém, somente focalizaremos o setor das crendices,
ligadas à Semana Santa e à Quaresma.
Comecemos pela velha superstição dos "treze à
mesa", proveniente da última ceia de Cristo e seus doze apóstolos. Julga o
povo — aliás de quase todas as nações — que, sentando-se à mesa de refeição,
treze pessoas, uma delas — a mais velha ou mais moça — morrerá dentro em breve.
Parte daí — dizem — o vezo antigo de se considerar o 13
número de azar e de morte. Então, se a ele se associa a sexta-feira, maior é o
risco, mais cabuloso será o dia.
A sexta-feira da Paixão ou qualquer outra figura em várias e
pitorescas abusões do povo. Por exemplo:
Em sexta-feira não se corta unha, porque "faz
unheiro" ou "dá dor de
dente", ou "dá inflamação nos dedos" . Às crianças em tal dia,
"só a madrinha pode cortar as unhas" .
Na Sexta-Feira da Paixão não se varre a casa — porque
"faz mal" ; porque "se varre os cabelos de Nosso Senhor" .
Não se corta nem se chupa cana — alusão talvez à cana que serviu de cetro a
Cristo.
Em sexta-feira não se deve viajar — "faz mal",
"é perigoso" ; "acontece desastre" . Também em tal dia, não
se deve fazer a barba ; não se deve dar sal ; não se deve olhar no
espelho — é agouro . Quem ri na sexta-feira chora no domingo.
Na Sexta-Feira da Paixão — Marias não podem cortar o cabelo;
também não podem pentear-se, porque "Maria Santíssima não se penteou"
. Foi Nossa Senhora quem disse: "Diabos carregue as Marias que pintiá os
cabelo na Sexta-Feira da Paixão!..." .
Faz mal, nesse dia santo — "socá os tempero no pilao,
para a torta". Isto se faz "na quinta-feira maior" . "É bom
greá cachorro na Sexta-Feira Santa: nunca dá peste no cachorro, nem ele panha
quarqúé mal". "Greá" — explicou-nos o informante — "é
marcar a fogo, com um 8, nos quarto do cachorro".
Também na sexta-feira maior — "o café será tomado
amargo, porque os judeus deram a Jesus 'fel amargurado'''.
Antigamente era costume na Roça grande — trocar-se qualquer moeda por um
vintém tirado ao esquife do Senhor na Sexta-Feira da Paixão. Esse vintém servia
de "chamariz" à fortuna. A mesma crença continuou por muito tempo,
trocando-se, porém, os vinténs nas bandejas de esmolas — expostas na igreja.
Guardavam-se bem guardadas essas moedas de cobre e no ano seguinte davam-se aos
[mendigos]; outro modo de atrair a sorte a si mesmo, porque "quem dá aos
pobres, empresta a Deus".
Estas e outras inúmeras abusões e crendices se perpetuam,
através dos tempos, entre a gente simples e crédula, tornando mais tristes,
impressionantes e sombrios os (?) nos dias da Quaresma e da Semana Santa em
nossa terra.
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