Uma das perguntas mais triviais e até infantis que se pode fazer é "Quem descobriu o Brasil?"
A resposta seria mais simples ainda, foi Pedro Alvares Cabral, Certo?
Errado. O primeiro português a vir às terras brasileiras não foi Pedro Álvares Cabral, ao contrário do que até hoje ensinam os manuais de história. O primeiro pedaço de solo tupiniquim avistado pelos portugueses também não foi o Monte Pascoal, no sul da Bahia. O primeiro contato dos europeus com a terra brasilis muito pouco ocorreu em 22 de abril de 1500.
Recentes trabalhos de pesquisadores portugueses, espanhóis e franceses revelam uma história muito convincente sobre a chegada dos colonizadores portugueses ao Novo Mundo. O primeiro português a chegar ao Brasil foi o navegador Duarte Pacheco Pereira, um gênio da astronomia, navegação e geografia e homem da mais absoluta confiança do rei de Portugal, D. Manoel I. Duarte Pacheco descobriu o Brasil um ano e meio antes de Cabral, entre novembro e dezembro de 1498. O primeiro português a confirmar que existiam terras além do Oceano Atlântico desembarcou aqui num ponto localizado nas proximidades da fronteira do Maranhão com o Pará. De lá, iniciou uma viagem pela costa norte, indo à ilha do Marajó e à foz do rio Amazonas. Quando regressou a Portugal, o rei ordenou-lhe que a expedição deveria ser mantida em sigilo. O motivo para que a descoberta fosse tratada como segredo de Estado era bastante simples: as terras encontravam-se em área espanhola, de acordo com a divisão estabelecida pelo famoso Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, quatro anos antes de Duarte Pacheco chegar à Amazônia.
As novas pesquisas sobre a verdadeira história do descobrimento acabam definitivamente a inocente versão ensinada nas escolas de que Cabral chegou ao Brasil por acaso, depois de ter-se desviado da sua rota em direção às Índias.
O QUE PROVA TAIS AFIRMAÇÕES ?
Até consolidar sua presença nessa - até então - desconhecida parte do mundo, portugueses e espanhóis se envolveram num fascinante jogo de traição, espionagem, blefes e chantagens. O mais recente trabalho a sustentar que Duarte Pacheco foi o verdadeiro responsável pelo descobrimento foi publicado no ano de 1996, em Portugal. Intitulado A construção do Brasil, é de autoria do historiador português Jorge Couto, 46 anos, professor da Universidade de Lisboa.
A base da tese gira em torno de um manuscrito, o "Esmeraldo de situ orbis", produzido pelo próprio Duarte Pacheco entre 1505 e 1508 e que ficou desaparecido por quase quatro séculos. Até no título, o documento revela seu caráter cifrado. "Esmeraldo" é um anagrama que associa as iniciais, em latim, dos nomes de Manoel (Emmanuel), o rei, e Duarte (Eduardus), o descobridor. "De situ orbis" significa "Dos sítios da Terra". "Esmeraldo de situ orbis", portanto, era "O tratado dos novos lugares da Terra, por Manoel e Duarte". Era um imenso relato das viagens de Duarte Pacheco Pereira não só ao Brasil, como à costa da África, principal fonte da riqueza comercial de Portugal no século XV. O rei D. Manoel I considerou tão valiosas as informações náuticas, geográficas e econômicas do "Esmeraldo" que jamais permitiu que ele fosse tornado público. Foi montado em cinco partes, com 200 páginas no total. As melhores provas sobre o descobrimento do Brasil aparecem no capítulo segundo da primeira parte.
O documento era, de fato, tão precioso que uma cópia foi contrabandeada em 1573 para a Espanha por um espião italiano, Giovanni Gesio. Depois que o espião pirateou um exemplar para a Espanha, alguns historiadores começaram levantar a hipótese da vinda de Duarte Pacheco ao Brasil antes de Cabral. O peso da visão tradicional da história e a linguagem enigmática da passagem referente à viagem de 1498 contribuíram, porém, para que essa fosse considerada, até agora, uma versão fantasiosa. Para sustentar a sua tese, Jorge Couto cruzou dados sobre as relações políticas entre Portugal e Espanha em 1498, debruçou-se sobre interpretações minuciosas do "Esmeraldo" e dos mapas da época, estudou os métodos usados no final do século XV para calcular a longitude e recorreu a relatos históricos sobre as antigas populações indígenas da Amazônia e aos resultados das recentes pesquisas feitas pela arqueóloga americana Anna Roosevelt em Santarém e na ilha do Marajó, no Pará.
Em Portugal, o livro de Jorge Couto tornou-se uma referência obrigatória. Entre os principais historiadores portugueses, "não há dúvidas de que Duarte Pacheco chegou ao Brasil antes de Cabral", menciona José Manoel Garcia, pesquisador português especializado em História dos Descobrimentos. "A viagem de Cabral continua a ser considerada o descobrimento oficial do Brasil apenas por uma questão de tradição e de comodidade." Não é só em Portugal que Duarte Pacheco é reconhecido como o responsável pelo descobrimento do Brasil. O espanhol Juan Gil, da Universidade de Sevilha, e o francês Serge Gruzinski, do Centre Nationale de Recherches Scientifiques, também fazem essa afirmação em trabalhos publicados, respectivamente, em 1989 e 1992, mas sem a riqueza de tantas evidências e provas como Jorge Couto.
1498: GUARDE BEM ESTE ANO...
Em outubro de 1498, o rei português D. Manoel I viu frustradas as suas ambições de subir também ao trono da Espanha, depois que morreu sua mulher, dona Isabel, filha dos reis católicos Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Perdeu assim sentido a política de boa vizinhança que ele vinha desenvolvendo com os espanhóis. D. Manoel I resolveu, então, mandar uma expedição para descobrir terras na "parte ocidental, passando além a grandeza do mar Oceano". A parte ocidental era onde ficavam as terras descobertas pelos espanhóis nas Américas, na primeira expedição comandada por Cristóvão Colombo em 1492. O mar Oceano era como os portugueses chamavam o Oceano Atlântico. A expedição deveria também determinar, no local, a linha imaginária traçada pelo Tratado de Tordesilhas para funcionar como marco divisório dos domínios portugueses e espanhóis no mundo. Para a missão, d. Manoel I escalou o melhor homem que tinha à disposição. Duarte Pacheco era um exímio navegador, como tinha demonstrado na costa da África, era da sua total confiança e, o mais importante, tinha sido um dos conselheiros técnicos de Portugal nas negociações do Tratado de Tordesilhas.Após ter recebido as ordens do rei, Duarte Pacheco zarpou, em novembro de 1498, do arquipélago de Cabo Verde, na costa da África, em direção à linha do Equador. Os historiadores ainda não encontraram evidências para confirmar se ele partiu com apenas uma ou com duas caravelas. Navios de pequeno porte, elas eram usadas em expedições de exploração. Para ocupar territórios, os portugueses e espanhóis usavam naus e galeões, navios maiores, com grande capacidade de carga. Duarte Pacheco continuou navegando para o Sul até que avistou terra na região que hoje é fronteira entre o litoral do Maranhão e do Pará. A partir desse ponto, favorecido pela corrente marítima das Guianas, Duarte Pacheco não teve dificuldades para iniciar uma viagem pelo litoral brasileiro que foi até a Ilha do Marajó e a foz do rio Amazonas.
DUARTE PACHECO PEREIRA NO BRASIL
Durante o trajeto, Duarte Pacheco encontrou populações compostas de homens "pardos quase brancos". Essas eram justamente as características físicas dos índios aruaques que dominavam a orla marítima do Norte do Brasil. Os estudos da arqueóloga Anna Roosevelt comprovaram que toda essa região era habitada por populações indígenas com alta densidade demográfica e que criaram na ilha do Marajó uma sociedade complexa, de escala urbana e produtora de um artesanato até sofisticado, como a célebre cerâmica marajoara. Isso explicaria a referência de Duarte Pacheco ao Brasil como uma "terra grandemente povoada".
Embora não haja comprovação de que o navegador português tenha rezado também a primeira missa do Brasil em solo amazônico, existem indícios. Há relatos de navegadores espanhóis que teriam encontrado uma grande cruz na região da foz do Amazonas. Na volta a Portugal, os resultados da expedição foram mantidos sob absoluto sigilo. Uma cláusula do Tratado de Tordesilhas obrigava Portugal e Espanha a comunicarem ao outro reino as ilhas e terras descobertas em domínios alheios. Ora, todas as terras descobertas ficavam na área dos espanhóis. O rei d. Manoel I, que não tinha mais como subir ao trono espanhol, calou para não dar munição de graça aos concorrentes. O silêncio sobre a expedição de Duarte Pacheco foi apenas mais um golpe baixo na feroz competição que portugueses e espanhóis travavam no final do século XV. Na luta pela hegemonia na Península Ibérica e para ver quem primeiro descobriria o caminho das ricas especiarias das Índias, Portugal e Espanha.
VOLTA DE PACHECO A PORTUGAL: GLÓRIA E MORTE
Depois da expedição à costa brasileira em 1498, Duarte Pacheco foi para a Índia entre 1503 e 1505. Lá, cobriu-se de glória ao derrotar em sucessivas batalhas, com poucas centenas de soldados, milhares de inimigos comandados pelo rei da cidade indiana de Calecut. Na volta a Portugal, Duarte Pacheco ganhou uma recepção triunfal do rei d. Manoel, que lhe concedeu a raríssima honra de o colocar ao seu lado na procissão comemorativa que percorreu as ruas de Lisboa.
Depois da subida ao trono português de d. João III, Duarte Pacheco, por ser integrante de um grupo político muito próximo a d. Manoel, caiu em desgraça. Foi preso sob a acusação, aparentemente caluniosa, de contrabando de ouro na África e ficou meses encarcerado em Lisboa. Mais tarde, foi reabilitado, mas morreu em 1533 na pobreza e totalmente afastado das decisões políticas.
ONDE FICA PEDRO ALVARES CABRAL NESTA HISTÓRIA
A maior parte dos historiadores que pesquisam o descobrimento, são unanimes ao dizer que o "descobridor" oficial do Brasil compõe uma pálida figura. Cabral não entendia quase nada de navegação, mas era oriundo da média nobreza - teve a sorte de casar com uma das herdeiras de uma das famílias mais ricas do reino. Foi assim que conseguiu ser escalado para comandar a maior armada que Portugal já montara. Pela quantidade de homens e naus, a expedição de Cabral é mais uma prova de que os portugueses vinham para tomar posse do Brasil e usá-lo como base de apoio da rota para as Índias. Ele partiu do rio Tejo, em Lisboa, com cerca de 1,5 mil homens e 13 embarcações (nove naus, três caravelas e uma naveta de mantimentos). Apenas para comparação: quando chegou às Índias em 1498, Vasco da Gama viajou com apenas três embarcações. Oficialmente, a missão de Cabral era estabelecer uma feitoria comercial na cidade de Calecut. Esse era o motivo da presença na expedição de Pero Vaz de Caminha - o autor da "certidão de nascimento" do Brasil seria um dos escrivães de despesa (uma espécie de contador) do entreposto comercial a ser criado na Índia. Os portugueses acreditavam que o Brasil se encontrava mais próximo do Sul da África do que realmente está. Após a viagem de Cabral, perceberam o erro e só partiram para a ocupação do Brasil 30 anos depois.Portanto o ano de 1500 marca para a História do Brasil o surgimento das bases da colonização portuguesa, e nunca o descobrimento do Brasil.
NADA ACONTECE POR ACASO, NEM O DESCOBRIMENTO DO BRASIL
Entre os historiadores, é quase consensual que Cabral partiu de Portugal com instruções secretas do rei d. Manoel para chegar às terras já descobertas por Duarte Pacheco. Em 1979, o comandante Max Justo Guedes fez sobrevoos na costa de Porto Seguro (BA), na altura da gávea da nau de Cabral para verificar as condições de navegação em que foi avistado o Monte Pascoal, em 22 de abril de 1500. Na carta de Caminha, ele é descrito como um monte cônico com "serras mais baixas ao sul dele". Segundo o estudo, esta visão do morro só ocorre quando se navega de Sul para Oeste (como se Cabral tivesse alcançado o litoral à altura do Espírito Santo e subido em direção à Bahia), o que demonstra que ele estava em busca de terras. Se tivesse chegado ao Brasil por acaso, Cabral estaria navegando na direção Norte-Oeste. "A descoberta foi intencional", sustenta o comandante Guedes. "A tese de que Cabral chegou ao Brasil por acaso não encontra mais respaldo entre os historiadores", corrobora Laura de Mello e Souza, professora da Universidade de São Paulo (USP).
Ao alcançar Porto Seguro, a esquadra tinha 12 embarcações (uma se perdeu no caminho e depois conseguiu retornar a Portugal). Cabral ficou apenas uma semana, rumando para a segunda etapa, mas fracassou na missão de estabelecer a feitoria em Calecut. Um ataque de surpresa dos hindus, atiçados por comerciantes muçulmanos, destruiu a feitoria e massacrou vários portugueses, entre eles Caminha. Cabral voltou a Lisboa com apenas seis navios. Entrou depois em atrito com o rei e não voltou mais a comandar expedições marítimas. D. Manoel I teria justificado a decisão com o argumento de que Cabral não era "um homem com muita fortuna no mar". O que teria sido o grande feito da sua vida, o descobrimento do Brasil, só foi divulgado um ano depois que a carta de Caminha chegou a Portugal. Isso demonstra a pouca importância que os portugueses deram à expedição de Cabral - mais um indício de que se tratava, realmente, da segunda viagem ao Novo Mundo. Quando comunica o fato aos reis espanhóis, d. Manoel I, cinicamente, o atribui a um ato milagroso. Até recentemente, a casa que pertencera à família de Cabral, em Santarém, cidade portuguesa onde está o seu túmulo, funcionava como um prostíbulo. Foi restaurada por causa das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil no ano 2000.
fonte: http://www.souparaense.com/2011/04/quem-descobriu-o-brasil-pedro-alvares.html