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sábado, 12 de novembro de 2016

A desconstrução da pessoa preta


Henrique Frederico*, Estado de Minas, 11 novembro 2016
Nos últimos tempos, tem-se destacado nas redes sociais um vídeo em que um imigrante africano radicado há cerca de 30 anos no Brasil estranha o fato de que, em nosso país, os pretos sejam chamados de negros. Esse sábio imigrante destaca, ainda, que várias metáforas que utilizam a palavra negro (a) têm conotações negativas, como, por exemplo, ovelha negra, lado negro, peste negra, humor negro, magia negra, entre outras expressões. Por isso, em seu entendimento, assim como desse que vos escreve, a palavra mais indicada ao ser referir aos afrodescendentes é preto, e não negro.
O mais recente senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstra que, aproximadamente, 54% da população brasileira se autodeclara preta ou parda, e nos aproximamos de comemorar mais um Dia da Consciência Negra (20 de novembro), mas podemos notar que ainda temos muito a evoluir. Desde cedo, somos obrigados a crer que o ser preto é o que há de pior na sociedade. A principal lembrança que tenho da minha infância é a vontade quase sufocante de afastar de mim qualquer coisa ou traço que me identificasse como preto. Sentia que, com essa atitude, seria mais aceito pelos outros e, principalmente, por mim. Mas isso não era minha exclusividade. Podia perceber, claramente, que outras crianças tinham esse sentimento.
Seguindo esse exemplo, podemos notar, também, como é recorrente a tentativa de desconstruir ícones pretos para defender ou ratificar teorias de que não há racismo em nossa sociedade. Uma das questões mais levantadas é sobre Zumbi dos Palmares e seus escravos, no Quilombo dos Palmares. Por isso, a luta pela liberdade de Zumbi – mesmo que seja a dele e de seu povoado – é deixada de lado. Dessa forma, convenientemente é esquecida a forma como os pretos que buscavam a liberdade eram caçados, castigados e muitas vezes mortos.
A escravidão sempre esteve presente na história da humanidade – até nos dias de hoje –, mas apesar de ser cruel em todas as formas e períodos, nada se compara ao que foi feito contra o preto africano trazido à América. Desde a sua captura à travessia subumana do Atlântico, quando se estima que mais de 150 milhões de pretos foram mortos, até a desconstrução de sua identidade, cultura e costumes, além dos mais pesados tipos de castigos.
Malcolm X, um dos grandes defensores dos direitos civis no século passado, destacava que a luta da pessoa preta é ser reconhecido como ser humano. E essa luta continua. Infelizmente – por mais estranho que possa soar –, muitas pessoas ainda julgam que os pretos são inferiores e pouco superiores aos animais. Contudo, ao mesmo tempo, essas são as primeiras pessoas a debater com ímpeto sobre-humano contra as cotas raciais e políticas de inclusão, que são fundamentais para a integração. Vale destacar que, no Brasil, o índice de miséria entre os pretos chega à média de 22%, valor duas vezes maior que entre os brancos (10%), conforme um estudo realizado pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) e divulgada recentemente.
E a melhor maneira de tratarmos esse assunto é aceitar que esse problema existe.

*Henrique Frederico é Jornalista.