Antecedentes
Os castigos físicos, abolidos na Marinha do Brasil um dia após a Proclamação da República (1889)[3], foram restabelecidos no ano seguinte (1890) por um decreto nunca publicado no Diário Oficial, o qual, mesmo assim, foi tomado por base pela Marinha de Guerra, estando nele previstas:"Para as faltas leves, prisão a ferro na solitária, por um a cinco dias, a pão e água; faltas leves repetidas, idem, por seis dias, no mínimo; faltas graves, vinte e cinco chibatadas, no mínimo."
Os marinheiros nacionais, quase todos negros ou mulatos comandados por um oficial branco, em contato cotidiano com as marinhas de países mais desenvolvidos à época, não podiam deixar de notar que as mesmas não mais adotavam esse tipo de punição em suas belonaves[3], considerada como degradante. O uso de castigos físicos era semelhante aos maus-tratos da escravidão, abolida no país desde 1888.[3] Paralelamente, a reforma e a renovação dos equipamentos e técnicas da Marinha do Brasil eram incompatíveis com um código disciplinar que remontava aos séculos XVIII e XIX. Essa diferença foi particularmente vivida com a estada dos marujos na Grã-Bretanha, em 1909, de onde voltaram influenciados não apenas pelas lutas dos colegas britânicos mas também pela revolta dos marinheiros da Armada Imperial Russa, no Encouraçado Potemkin, ocorrida poucos anos antes, em 1905.
Ainda na Grã-Bretanha, o marinheiro João Cândido Felisberto formou clandestinamente um Comitê Geral para organizar a revolta, que se ramificaria depois em vários comitês revolucionários para cada navio a entrar em motim, e que se reuniram no Rio de Janeiro entre 1909 e 1910. Em 1910 juntou-se a este comitê o marinheiro Francisco Dias Martins, vulgo "Mão Negra", que tinha facilidade para escrever, e tinha ficado famoso por uma carta, sob este pseudônimo, aos oficiais contra a chibata em recente viagem ao Chile.
[editar]A Revolta pelo fim da Chibata
Marinheiros revoltosos (1910). João Cândido ao centro.
Encouraçado Minas Geraes (1910).
Foi originalmente marcada para dez dias depois da posse do Presidente eleito da República, Hermes da Fonseca, a ocorrer no dia 15 de Novembro de 1910. Entretanto, a punição aplicada ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes do Encouraçado Minas Gerais, precipitou o início da revolta. Por ter trazido cachaça para bordo e, em seguida, ter ferido com uma navalha o cabo que o delatou, o marinheiro Menezes foi punido, não com as vinte e cinco chibatadas regulamentares, mas sim com duzentos e cinquenta, na presença da tropa formada, ao som de tambores, no dia 21 de Novembro. O exagero dessa punição, considerada desumana, provocou uma indignação da tripulação[3] muito superior à que já vinha sentindo durante a conspiração da revolta. Os comitês revolucionários decidiram que a tomada dos navios se daria na noite do dia 22. A ideia não era matar oficiais, mas rendê-los enquanto estivessem dormindo.[2]
Na baía de Guanabara, na noite de 22 de novembro de 1910, os marinheiros do Minas Gerais amotinaram-se ao constatarem que o comandante Batista das Neves havia retornado mais cedo do jantar oferecido a bordo do navio francês Duguay-Trouin, onde tinha combinado de passar toda a noite. Não queriam mais adiamentos. Quando ele foi para sua câmara dormir, um marinheiro mais afoito atacou o oficial de plantão, Álvaro Alberto, o que fez com que o comandante voltasse de sua câmara para o convés. Batista das Neves foi cercado pelos amotinados e intimado a deixar o navio.[3] O marinheiro Bulhões aconselhou-o a abrigar-se, mas ele terá respondido: "Eu não saio de bordo". Ao ferir um dos marinheiros, Batista das Neves foi atacado pelo restante do grupo, e outro marinheiro[quem?] disparou contra ele, atingindo-o fatalmente na cabeça. Na sequência, outros dois oficiais que acordaram e também foram para o convés, e por não quererem se retirar do navio, foram assassinados. Enquanto isso, o 2º tenente Álvaro Alberto da Mota e Silva o primeiro oficial gravemente ferido, com golpe debaioneta, conseguiu alcançar o Encouraçado São Paulo num escaler e notificou os demais oficiais. Mas este navio não estava ainda revoltado. Não havia sido dado o sinal combinado.[3]
Ao final do descontrole dos marinheiros, do motim no encouraçado Minas Gerais que atropelou os passos planejados da tomada pacífica dos navios, com as mortes de 3 oficiais e 3 marinheiros, foi feita uma assembleia no próprio navio para entregar a João Cândido Felisberto o comando geral da esquadra rebelde. Até então, o chefe das reuniões era Vitalino José Ferreira. João Cândido seria somente o comandante do Minas Gerais. Mas os marujos precisavam de um comandante-em-chefe, com bom trânsito entre os marinheiros e os oficiais, que tinha disciplina e poderia encaminhar os passos seguintes da revolta, como planejado.
Ao sinal de canhão que informava que o encouraçado Minas Gerais estava sob controle dos marinheiros, os encouraçados São Paulo (o segundo maior navio da Armada à época) e Deodoro, o cruzador Bahia, e mais quatro embarcações menores ancoradas na baía, aderiram ao motim no decorrer da noite. No final, João Cândido preferiu reunir todos os marinheiros em apenas 4 embarcações: Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro.
Na manhã seguinte (23 de novembro), sob a liderança do marinheiro de primeira classe João Cândido Felisberto e com redação de outro marinheiro, Francisco Dias Martins, foi então emitido um ultimato no qual ameaçavam abrir fogo sobre a então Capital Federal:"Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República e ao ministro da Marinha. Queremos a resposta já e já. Caso não a tenhamos, bombardearemos as cidades e os navios que não se revoltarem."
O governo respondeu inicialmente por meios telegráficos que não confabulava com revoltosos. João Cândido então ordenou tiros de canhão sobre o Palácio do Catete, sede do Poder Executivo, e sobre a Câmara dos Deputados que, à época, ficava na Rua da Misericórdia.
João Cândido, diante da atitude do governo de negar-se às negociações, comandou a esquadra, após dar os disparos para demonstrar que não estava blefando, para posicioná-la na barra, fora da baía da Guanabara, fora do alcance do fogo das fortalezas da barra, mas a uma distância suficiente para atacar e destruir a cidade, se fosse necessário.
Surpreendido e sem capacidade de resposta, o governo, o Congresso e a Marinha divergiam quanto à resposta, pois a subversão da hierarquia militar é um dos principais crimes nas Forças Armadas. A população da então Capital, num misto de medo e curiosidade, permaneceu em estado de alerta, parte dela refugiando-se longe da costa enquanto outros se dirigiram à orla para assistir ao bombardeamento ameaçado pelos marinheiros.
Nessa manhã do dia 23, o emissário do governo, o deputado federal e capitão-de-mar-e-guerra José Carlos de Carvalho esteve a bordo do encouraçado São Paulo, onde lhe foi determinado que se dirigisse ao Minas Gerais para falar com o líder da revolta, João Cândido, dando-se assim início às negociações entre o governo e os revoltosos.
José Carlos de Carvalho levou para o Congresso a impressão que teve da força dos marinheiros e um Manifesto com exigências, sendo a principal o fim da chibata. O Manifesto, que tinha sido escrito durante as reuniões preparatórias, citava todos os oficiais presos nos navios e relacionava todos os navios sob o controle dos marinheiros. Isso demonstra que os revoltosos acreditavam que poderiam fazer a revolta sem mortes, e que a adesão à revolta seria total, quando a realidade era diferente disso.
Os navios que não aderiram à revolta, na maioria contratorpedeiros, entraram em prontidão para torpedear os revoltosos. No dia 25 de Novembro, o então Ministro da Marinha, almirante Joaquim Marques Batista de Leão expediu a ordem: "hostilize com a máxima energia, metendo-os a pique sem medir sacrifícios." No mesmo dia, entretanto, o Congresso Nacional aprovou a anistia para os revoltosos. Há versões de que o encouraçado Deodoro chegou a receber tiros dos contratorpedeiros, que logo cessaram fogo e voltaram para a orla.
Quatro dias depois do motim, a 26, o governo do presidente Marechal Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias mais tarde, a 28, foi feito um novo decreto, que permitia que fossem expulsos da Marinha aqueles elementos "inconvenientes à disciplina".
[editar]A chamada "segunda revolta"
Em 27 de novembro de 1910, o ministro Marques de Leão exigiu que os marinheiros dos navios antes revoltosos (anistiados) entregassem todas as culatrinhas dos canhões. Se a ideia era a volta à normalidade,[2] não havia porque os navios serem desarmados. Era o primeiro sinal de que o Governo não confiava naqueles marinheiros, embora já anistados.
Na imprensa, alguns jornais começam a condenar a fraqueza do Governo e da Marinha ao concederem a Anistia aos revoltosos. Alguns oficiais de alta patente davam declarações públicas no mesmo sentido.
Os marinheiros não sentiam que a normalidade estava sendo restituída. Obedeciam as ordens, mas percebiam o desgosto dos oficiais.
Surgiram boatos, de fontes incertas, de que está sendo planejada uma "segunda revolta", em meio a uma outra forte onda de boatos de que o Exército iria se vingar dos marinheiros que puseram o governo de joelhos.
A Marinha exigiu que o líder João Cândido entregasse 25 nomes de companheiros "inconvenientes à disciplina" para serem expulsos pelo decreto que quebrou a anistia. O clima ficou tenso entre os rebeldes que participaram das mortes dos oficiais e o líder João Cândido.
No dia 2 de dezembro foram expulsos oito marinheiros do Minas Gerais, entre eles o assassino de Batistas das Neves, João José do Nascimento, e oito marinheiros do navio São Paulo.
A 4 de dezembro, quatro marujos foram presos, sob a acusação de conspiração.
As expulsões, as prisões, os boatos, as provocações só fizeram piorar a difícil tarefa da volta à normalidade. Oficiais condenaram na imprensa o perdão dado pelo governo a "matadores de oficiais".[2]
No dia 9 de dezembro, no navio cruzador Rio Grande do Sul, um dos que não aderiram à Revolta da Chibata, os oficiais mandaram amarrar e por a ferros um marujo no meio do convés. Armaram-se e ficaram de prontidão no passadiço (corredor suspenso), em traje de gala, como nos dias em que ocorria o "espetáculo da chibata". À noite, com os marinheiros desesperados com os boatos, com o companheiro amarrado e a possibilidade da volta da chibata, a luz acabou totalmente no navio, e eclodiu um princípio de motim, onde morreram um oficial e um marinheiro, mas que, por não ter um motivo concreto, logo se dissipou. Não havia no navio nenhum marinheiro que quisesse tirar o comando do capitão Pedro Max de Frontin, que controlou o arremedo de motim, mas não conseguiu evitar as duas mortes.
Ainda no dia 9 de dezembro, os comandantes oficiais da Marinha, já com o comando restituído dos navios anistiados, resolvem abandonar os marinheiros sozinhos. Os marinheiros pedem que fiquem, mas eles acabarão deixando os navios no dia seguinte definitivamente.
No mesmo dia 9, em meio a esta forte onda de boatos, isolados e desorganizados, os fuzileiros navais (marinheiros com treinamento especial) sublevaram-se na ilha das Cobras, sem qualquer exigência e nem qualquer relação com a Revolta da Chibata. Foram bombardeados durante todo o dia seguinte, mesmo após hastearem a bandeira branca. Enquanto o bombardeio se dava no dia 10, o Governo aprovava no Senado Federal o estado de sítio (lei marcial que permite julgamentos sumários, prisões, etc).[2] De trezentos revoltosos, sobreviveram pouco mais de uma centena. Vários foram detidos nos calabouços da antiga Fortaleza de São José da Ilha das Cobras.
No Congresso, parlamentares levantaram a possibilidade de esta "segunda revolta" ter sido encomendada, ou no mínimo fomentada pelo Governo Federal (Presidente, Marinha, Exército e simpatizantes no Congresso), pois foi o Governo o maior beneficiado, com o estado de sítio, que não somente lhe permitiu excluir 2.000 marinheiros (eram 2379 os revoltados) e matar um número incerto mas estimado em duas centenas de marinheiros, como também afastar os adversários políticos, que ficaram a favor da Anistia dos marinheiros rebeldes, como o candidato à presidência derrotado, Rui Barbosa, isolando-o em São Paulo.
Apesar de se declarar contra a "segunda revolta", e até mesmo ter atirado (graças a uma culatrinha de canhão que um dos marinheiros havia escondido dos oficiais) contra os fuzileiros, companheiros seus da Marinha, para provar lealdade ao Governo Federal que havia dado a Anistia e garantido o fim da chibata, João Cândido também foi preso e expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os fuzileiros rebeldes. Entre os detidos na Ilha das Cobras, dezoito foram recolhidos à cela n° 5, escavada na rocha viva. Ali foi atirada calvirgem, na véspera de Natal, 24 de Dezembro de 1910. Após vinte e quatro horas, apenas João Cândido e o soldado naval João Avelino, conhecido como "Pau de Lira" sobreviveram. Cento e cinco marinheiros foram desterrados para trabalhos forçados nos seringais daAmazônia, tendo sido nove destes fuzilados nesse trânsito.[3]
O Almirante Negro, como foi chamado pela imprensa, um dos sobreviventes à detenção na ilha das Cobras, foi internado no Hospital dos Alienados em Abril de 1911, como louco e indigente. Ele e nove companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações dois anos mais tarde, em 1 de dezembro de 1912.[4]
[editar]O Projeto da Anistia Post-Mortem
Em 24 de julho de 2008, através da publicação da Lei Federal nº 11.756/2008 no Diário Oficial da União, foi concedida anistia post mortem a João Cândido Felisberto, e aos demais participantes do movimento[5]; entretanto, a reparação financeira às duas únicas famílias que se apresentaram foi vetada pelo governo.
[editar]Filmografia
CEM ANOS SEM CHIBATA - Documentário Especial de 52 minutos da EBC - Empresa Brasil de Comunicação, direção de Marcos Manhães Marins.
CHIBATA - A Vida de João Cândido - projeto de longa-metragem em fase de produção no Brasil.
Memórias da Chibata - filme sobre João Cândido e a Revolta da Chibata .[6]
Referências
↑ [http://www.suapesquisa.com/historiadobrasil/revolta_chibata.htm Revolta da Chibata
↑ a b c d e Miriam Ilza Santana (15 de outubro de 2007). Revolta da Chibata (em português). InfoEscola. Página visitada em 23 de setembro de 2012.
↑ a b c d e f g Vitor Amorim de Angelo. Revolta da Chibata (em português). UOL - Educação. Página visitada em 23 de setembro de 2012.
↑ Revolta da Chibata, Suapesquisa.com .
↑ Lula sanciona anistia a líder da Revolta da Chibata, O Globo Online, 23/07/2008
↑ Memórias da Chibata, de Marcos Manhães Marins.
[editar]Bibliografia
CÂNDIDO, JOÃO. Memórias de um Marinheiro. Rio de Janeiro: Gazeta de Notícias, 1913.
MOREL, EDMAR. A Revolta da Chibata. 1 ed. Rio de Janeiro: Pongetti, 1959.
CÂNDIDO, JOÃO. Depoimento para o Museu da Imagem e do Som, 1968.. in TRINDADE, MARÍLIA. João Cândido, o Almirante Negro. Rio de Janeiro: MIS, 1999.
MAESTRI, Mário. 1910: a revolta dos Marinheiros. Uma saga negra. 3 ed. São Paulo: Global, 1982.
SILVA, M. A. da. Contra a Chibata: marinheiros brasileiros em 1910. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 11-12. (Coleção Tudo é História)
MARTINS, Hélio Leôncio. A revolta dos Marinheiros - 1910 Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1985.
MAESTRI, Mário. Cisnes negros: 1910: a revolta dos marinheiros contra a chibata. São Paulo: Moderna, 1998.
ROLAND, Maria Inês. A Revolta da Chibata. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. ISBN 8502030957 (compilação dos anteriores)
NASCIMENTO, Álvaro Pereira do. Cidadania, cor e disciplina na revolta dos marinheiros de 1910. Rio de Janeiro: Mauad, 2008.
CHEUICHE, Alcy. João Cândido, o Almirante Negro. Porto Alegre: L&PM, 2010. (livro de ficção)
Atlas histórico IstoÉ/Brasil 500 anos. São Paulo: Editora Três, 2000. p. 98. (resumo)
[editar]Ligações externas
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