Por
Greig WatsonDa BBC News
·
23 outubro 2016
Faz 800 anos que um dos mais
criticados monarcas da Inglaterra, o rei João, morreu de disenteria. A BBC News
fez um levantamento de como essa desagradável doença tirou a vida de diversos
reis ingleses, mudando o curso da história.
Seu caótico e desastroso reinado acabou em um
banheiro - ou o que quer que servisse a esse propósito no castelo Newark em
outubro de 1216.
Ao tirar a vida do rei, a disenteria (uma diarreia
tão violenta que causa sangramento e morte) pode ter mudado de maneira
espetacular o curso da história inglesa.
"Ele foi um completo
idiota", diz Marc Morris, autor do livro King John: Treachery, Tyranny
and the Road to Magna Carta (Rei João: Traição, Tirania e o
Caminho para a Magna Carta).
"Muitas pessoas pensam na Europa
medieval como um lugar onde as coisas acontecem como (no seriado de TV) Game of Thrones. Mas havia regras, especialmente sobre
como os nobres deveriam ser tratados. O rei João quebrou esses tabus. Era
considerado por seus contemporâneos como cruel e covarde."
"Ele não apenas matou, ele foi sádico. Ele
assassinou pessoas usando a fome. E não apenas cavaleiros inimigos, mas certa
vez a mulher e o filho de um rival."
Ele perdeu fatias de território na França e depois
tentou reavê-las aumentando impostos para financiar suas tentativas fracassadas
de retomá-las
O monarca também ganhou a reputação de predador
sexual das mulheres e filhas dos nobres e de tratar abusivamente aliados e
rivais. Tudo isso irritou a elite.
Ele irritou tanto o papa Inocêncio III que o
pontífice o excomungou e ordenou o fechamento de igrejas na Inglaterra.
Esse cenário levou o país a uma guerra civil e,
posteriormente, ao estabelecimento da Magna Carta e ao oferecimento do trono ao
príncipe Luís, da França.
Mas enquanto lutava, João ficou fraco e doente.
Viajando pela região central da Inglaterra, ele parou em Newark e logo depois morreu.
Rumores atribuem sua morte a comer pêssegos verdes,
beber muita cerveja ou ter sido intoxicado com o veneno de um sapo.
Iona McCleery, especialista em medicina medieval da
Universidade de Leeds afirma: "Dizer que João morreu devido a excessos é
uma forma de criticar sua personalidade. Isso implica destemperança, gula e
imprudência."
"Dizer que ele foi envenenado mostra que ele
era odiado. Qualquer que seja a verdade, aqueles que escreveram a história não
tinham nada de bom a dizer sobre João".
A disenteria é causada por parasitas, mas é
facilmente confundida com infecções virais e bacterianas. É mais comumente
causada por água contaminada com dejetos humanos.
"A disenteria não era necessariamente uma
doença de plebeus. Muitas hortaliças eram cultivadas em solo adubado com
dejetos humanos", diz McCleery.
"João estava em uma marcha, lutando uma
guerra, sob uma grande tensão. Ele estava provavelmente exausto física e
emocionalmente, e as condições de vida durante uma marcha são primitivas, não
importa quem você seja."
Depois da morte de João, a guerra civil terminou, e
o príncipe Luís, da França, foi expulso da Inglaterra. A estabilidade retornou
e a Magna Carta se consolidou.
Mas a disenteria ainda faria parte do destino de
outros reis ingleses.
Eduardo I, também conhecido como Longshanks ou
"martelo da Escócia" (por ter liderado campanhas contra a nação
vizinha), morreu enquanto se dirigia para iniciar uma nova guerra contra o rei
da Escócia, Robert the Bruce, em 1307. Seu filho, Eduardo II, perdeu as
batalhas seguintes e a Escócia manteve sua independência.
A disenteria também matou Henrique V, herói de
Agincourt, durante uma campanha militar na França em 1422. Henrique VI se tornou
rei aos nove meses de idade. Adulto, ele se provou pouco apto para reinar na
violenta Idade Média. A França foi perdida e rebeliões deram início à Guerra
das Rosas, que dividiu a Inglaterra até 1485.
Mas a morte de João pode ter sido o maior impacto
da disenteria na história do país. Marc Morris afirmou: "Muitos reis do
passado podem ser considerados cruéis pelos padrões atuais, mas João era cruel,
covarde e um fracassado. Mas ao morrer naquele momento significou que a Magna
Carta, que ele havia (assinado e depois) rejeitado, pôde ser
reinstituída".
Ao declarar que o soberano também devia se submeter
às leis e documentar as liberdades dos "homens livres", a Magna Carta
foi o fundamento dos direitos individuais na jurisprudência europeia e
americana.
E mesmo que pareça uma doença do passado, a
disenteria ainda é uma grande causa de mortes em países em desenvolvimento. A
Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 900 mil pessoas morram por
disenteria ou por doenças semelhantes todos os anos. A maioria das vítimas são
crianças pequenas.
FONTE:http://www.bbc.com/portuguese/geral-37736241
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